Note IV- resume
"Life is so great and so sad" ( Harvey Pekar)
"Que seja doce."(CFA)
“I miss the innocence I've known
Playing KISS covers, beautiful and stoned” (Wilco)
Uma música doce é só uma música doce ou uma maneira de parar com a roleta. As mãos no queixo, um revirar infantil de olhos e sabemos: está tudo bem por cinco minutos. E essa perfeição cronometrada é suficiente para não fazer diferença o que eu sei ou o que deixo de saber. Das coisas vividas inteiras, uma ou outra foi inventada ou sonhada ou... uma música doce é só uma música doce ou uma maneira de dar de ombros para o que suspira em museus que ninguém visita. Quem era afinal? Isso importa agora? Três minutos ainda no relógio e estamos calados ouvindo, ouvindo.
"Life is never kind Life is never kind
Oh, but I know what will make you smile tonight" (Smiths)
"(vocês não têm outro rosto
vocês conhecem o melhor caminho do poço
e compram pelo reembolso
a mão que afaga
e a mão que mata)
você não tem nenhum medo
porque não sabe o segredo
que eu não posso lhe contar
e ninguém vai lhe contar
porque é sempre muito tarde
porque está fora de hora
e porque quem samba fica
quem não samba vai-se embora
vocês não têm outro rosto
você não sabe a paisagem
e anda atrás de close-ups
você não fez a viagem
nem pesquisou o mistério
da contagem regressiva
você anda muito viva
então viva viva muito
com o rosto de todo mundo
e quando muito até quando." (Coro misto fotogênico-1970, Torquato Neto)
Não vou prosseguir, não consigo prosseguir, não posso prosseguir. Vou prosseguir." (Beckett)
“Meu coração é um pedaço de papel
riscado
rasgado
queimado
malvado
por aí mesmo despedaçado
e por qualquer lado: minha mão navega
pelos meus olhos, a minha boca se move
é muito diferente prove comigo
esta amarga aguardente. peça com os olhos, peça.” (trecho de Torquato Neto, no volume {Do lado de dentro} de Torquatália, organizado por Paulo Roberto Pires)
"Lá, lalalalalalalá
Lá, lalalalalalalá
Quando a gente tá contente
Tanto faz o quente
Tanto faz o frio
Tanto faz
Que eu me esqueça do meu compromisso
Com isso e aquilo que aconteceu dez minutos atrás
Dez minutos atrás de uma idéia já dão
Pra uma teia de aranha crescer
E prender
Sua vida na cadeia do pensamento
Que de um momento pro outro começa a doer
Lá, lalalalalalalá
Lá, lalalalalalalá
Quando a gente tá contente
Gente é gente, gato é gato
Barata pode ser um barato total
Tudo que você disser deve fazer bem
Nada que você comer deve fazer mal
Quando a gente tá contente
Nem pensar que tá contente
Nem pensar que tá contente a gente quer
Nem pensar a gente quer
A gente quer, a gente quer
A gente quer é viver
Lá, lalalalalalalá
Lá, lalalalalalalá" (Barato Total, na versão de Gal com Nação Zumbi)
"Ah! Eu usei todos os sentidos
Só não lavei as mãos
E ‚ é por isso que eu me sinto cada vez mais limpo
Cada vez mais limpo" (Daquilo que eu sei, Ivan Lins)
(Para D.C., que ainda está acordado.)
“Itabira é apenas uma fotografia na parede./Mas como dói”.(Drummond)
“...ele me olhava triste. eu não suportava seu olhar triste a lembrar-me das vezes todas que o tinha procurado inutilmente pelas ruas sem encontrá-lo. agora que o encontrava já não o procurava. e um encontro sem procura era tão inútil quanto uma procura sem encontro. detalhei meus movimentos para que não o atemorizassem. e novamente olhei. ah se conseguisse. mas sempre será preciso o pão dessa agonia. e disse:
- não farei um movimento para afastar os cadáveres que juncam as águas do lago não farei um movimento para conduzir o barco em direção ao sul pois sei que existem ventos e que os ventos sopram sei que se uma folha bater de leve no meu rosto eu a esmagarei feito uma mosca e sei que se houver cirandas pelas margens eu matarei as crianças sei do meu ser de faca sei do meu aprendizado de torpezas sei do que há no fundo desse lago e sei que você não o tocará porque a superfície não o revela e será mais fácil para o teu gesto afastar os cadáveres que juncam as águas do teu próprio lago e movimentar o barco a favor do vento e acolher as folhas que baterem em teu rosto e ouvir as cirandas e sorrir para as crianças paradas nos beirais sei da tua forma de chegar à morte sei da minha forma de chegar à vida e sei que não te tocarei no campo de trigo atrás da tua face e sei que não me tocarás na ponta de faca atrás da minha face e sei do nosso mútuo assassinato e sei de nossa insaciável fome de carne humana porém te digo que este meu ser inaparente que este meu ser é de faca e não de flor.
não foi difícil. a mulher calou-se repentinamente espantada. e tenho certeza que a matei naquele instante porque um pouco mais tarde ouvimos o sangue gotejar pelas escadas. mas eu não queria o mal. apenas não encontraria outra vez o mesmo pôr-do-sol na mesma tarde assim como a minha face não seria jamais a dele."
(Caio Fernando Abreu)
(* frase de Caio Fernando Abreu no conto Marinheiro)
“quando soltaram os cachorros loucos
eu estava fazendo chá
de ervas do campo
e de repente o espanto
tremendo a chaleira
e bombeando medo
larguei as ervas e danado
precipitei-me à janela
de onde vi
enormes matilhas
com olhos cheios de negra espuma
a espuma invadia a rua
e abraçava postes, que caíam
cheios de óleo e náusea
engolia as pessoas
que alucinadas
enchiam o ar de berros
depois os cachorros loucos foram embora
eu voltei ao meu chá
e lá fora a solidão
e uma flor quase despercebida ”
(Henrique do Valle: Uma Flor num Buraco de Calçada)