"Que seja doce."(CFA)

segunda-feira, junho 23, 2008

"...sabe que o meu gostar por você chegou a ser amor pois se eu me comovia vendo você pois se eu acordava no meio da noite só pra ver você dormindo meu Deus como você me doía de vez em quando eu vou ficar esperando você numa tarde cinzenta de inverno bem no meio duma praça então os meus braços não vão ser suficientes pra abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta mas tanta coisa que eu vou ficar calada um tempo enorme só olhando você sem dizer nada só olhando e pensando meu Deus como você me dói de vez em quando" (Caio F.)

eu sei que em você sou uma ferida imensa em certas noites.
posso sentir em seus braços quando chego de madrugada, com intensa vontade de asilo, avisando nas grades: estou aqui
ando dentro de vc com a falta de cautela que tenho em andar pelas ruas e desarrumo todas as coisas sem notar como a sua generosidade me faz doer-te sem necessidade alguma.
o mais cruel em vc sempre foi essa vontade de dar tudo, porque tua inclinação fazia com que, de mim, também não houvesse recusa.
e o que me doía eram teus silêncios. Teus vagos me feriam e infantilmente me faziam te ferir de propósito, assim vc saberia como sua falta era uma presença insuportável.
Me despedi disposta a sangrar tanto quanto pudesse o que em mim parecia ser teu. Sem perceber, como acontece quase sempre aos descuidados e indomesticáveis como eu, que machucava dois.
Sempre fui uma arma apontada pra vc, coração? Quantas vezes apertei o gatilho e surpreendi-me com os rasgos na pele: mirando em vc, o alvo acabava sendo minha carne. Emboscadas depois, cansada de procurar morte, não era em sua porta que batia contando os assassinatos em meus dedos?
Mais uma vez, andando dentro de vc, esbarrava nas coisas delicadas enquanto sentia no calor do seu corpo que não estava perdida nessa cidade laranja, que podia ser vista, que alguém sabia além do meu nome, além da minha solidez.
Vc, companheiro, que machuco com crueza porque busco proteger-te dos outros.
Sou eu que sussurro tantas vezes em teu ouvido: por favor, corra, por favor, corra e me alcance.
A certeza da tua doçura é que me traz de volta a tua porta, todas as vezes que me assusto comigo mesma, e são tantas vezes, que me pergunto quantas mais restam até que vc não abra mais a porta e se proteja de mim, a tua dor com nome de gente.

sábado, junho 21, 2008

Noir


é um destino ou uma estrela.

uma cicatriz ou um modo estranho de deixar um rastro.


dois comprimem-se em um, embora não faça sentido.

a percepção da brevidade é perigosa para alguns, como eu.

como alguns gestos morrem dentro do músculo, como se não tivesse existido a vontade.

se existe uma linguagem única em cada alma, é o sotaque que traz o mal entendido?

como fundir a piedade ao desejo? como mesclar complacência e paixão?


desertos. espaço dentro do vago do não proferir nome, da não referência.
auto profecias ás cinco da manhã, entre cinzeiros e copos vazios.


sábado, junho 07, 2008

Still Caio F.

"Penso: quando você não tem amor, você ainda tem as estradas."

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"Te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez." ( Caio Fernando Abreu)

"Não consegui. Do grande esforço através dos doze meses, doze signos, doze faces, só guardo essa certeza. Que tonta travessia. Tudo bem, descansa. Faz parte não conseguir... Está certo, mas não quiseram te fazer mal. O mal não existe reverso do bem. Tanto faz, só peço que me deixem. Vou ficar encostado na árvore até amanhecer. Olhos abertos, feito uma vela acesa. .....Talvez consiga dormir. Talvez consiga acordar amanhã finalmente livre de tudo isso. Terei apenas um corpo, poucos pensamentos todos pequenos. Sei que foi inútil quando os vejo obstinados recomeçar e recomeçar sempre. Uma serpente que morde a própria cauda, um círculo infinito de enganos, Maya. Talvez não, perdeste a fé? Não te castiga assim, está tudo em paz. Nunca houve cães. É como uma cantiga de ninar nas cinzas do fim do mundo. Um barbitúrico, se preferires. Entorpece, melancólico, te leva para longe. Já se perdeu, não há futuro. Repousa, meu amigo. Deixa-me passar a mão nos teus cabelos. Está amanhecendo. Em voz baixa, eu canto para te enganar. " ( Caio F.)

Nudez


.......Let me see you stripped down to the bones.....
São muitas.
No mesmo corpo.
Se deixar enxergar é um golpe de sorte, uma proeza, um truque, um jogo de palavras.
Não se engane, ela gostaria de dizer, mas evita.
O olhar entrega o ocupante.
As fases da lua, as fases do espírito, os desejos da carne, as buscas por êxtase e transcendência.
Desatentos beijam a mesma mulher sem percebê-la.
O indomesticável continua distante do toque.
Divertir-se pela cegueira alheia costumava ser seu jogo, mas hoje se compadece.
Todos parecem mais frágeis e o cheiro que os corpos desprendem é de igual abandono.
Ela pergunta até onde pode ir e continuar com as mãos limpas.
Alguns falam alto quando querem uivar.
Alguns tem uma fome que não sabem saciar e por isso se envenenam.
Ela sorri porque sabe o que vem depois e não se encolhe.
Cuidado ao descer, alguém sussurra em seus ouvidos, cuidado ao descer
Alguém teme pelas fraturas que não podem ser vistas e latejam meses incansavelmente.
Ela tem a natureza do mar e queima.