"Que seja doce."(CFA)

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Sal

não, não sei.
começar assim, não explica, não faz com que vc me entenda.
mas é assim mesmo, entende? algo aqui sai do tom e então, é como se não tivesse mais nenhum controle, mais nenhuma delicadeza, mais nenhum senso de não quebrar as coisas com as mãos, ou rasgá-las com palavras.
porque não consigo mostrar como uma fotografia, nem pintar um quadro, nem desenhar a Fera, ou A dor, ou A grande confusão que se instala em mim e que me desnorteia. como se não tivesse alma, ou se tivesse, soubesse que absolutamente perdida. sim, um grande drama. um intenso e estúpido drama porque sabemos, não é nada disso, não precisa ser nada disso, mas aqui dentro, tudo se convulsiona e faz com que acredite fervorosamente que não há mais nada a ser feito.
quando finalmente, finalmente, vem o baque, vem o choque e fico me perguntando quantos sinais perdi? quantos gestos, mudanças de voz, olhares? como não havia notado antes? sinto-me estúpida e comum, sinto-me todo mundo e também em uma espécie de abandono divino.
Me desespero.
Me desespero.
a loucura que faz com que vc ria, essa mesma loucura que te diverte, te encanta, é a mesma loucura no seu avesso. como um fio desencapado, um perigo de morte, prestes a ferir alguém, qualquer um. o impulso de fazer feliz no espelho virado, o estar absolutamente só e sem voz. nem ao menos eco, nem ao menos o rastro de um antigo caminho para alguém que possa, por algum tempo, me permitir apoiar a mente cansada.
quantos enganos ainda, hem? quantos miseravelmente vão saquear, ou ao menos tentar, quantos virão na estrada?
Me defendo
Me defendo
e parece que ás vezes a única coisa que faço é defender-me, defender-me exaustivamente. vc não compreende como pode ser escuro. vc não sabe como pode parecer menos amargo o veneno do que a verdade crua. qual o nome disso, isso que corrói assim, lento, quase fatal, quase e me faz ter medo de não voltar a ser o que era? porque me recuso, é preciso, é preciso, se recusar a transformar-se em um deles, manter alguma nobreza no meio da peste como aquele cavaleiro do filme francês, tentar ser ainda digno, não que isso nos salve de outras quedas que cometemos, mas o que possa nos manter limpos.
ah, mas eu disse eu te amo tantas vezes sem sentir.
ah, mas eu disse nunca tantas vezes para depois voltar atrás e despedaçar-me de novo.
ah, mas eu disse não me prometa, não jure e mesmo assim, eles não fizeram seus votos de lealdade, amizade e amor para descumprí-los logo que fosse possível.
ah, mas eu disse.
Me afogo
Me afogo
coração, cavalo novo, nunca descansa e sempre curiosamente se entrega, manso nas mãos de todo estranho oferecendo a máscara de bondade, gentileza, amizade. que sejam poucos e bons, hoje te digo na mesa. que sejam pouco e bons aqueles que me cercam. mas mesmo assim, me entrego, como se todo instante fosse o último, amanhã não existisse, fosse tarde, fim do mundo, a morte. quantas adagas me sangraram? vem me diz, tenta adivinhar, quantas vezes, eu ardi, quantas vezes eu chorei, quantas vezes, me encolhi dentro de mim querendo não, não mais, por favor, não mais, dessa dor imensa de olhar tudo tão fundo e ver a humanidade em quem me fere por banalidades, por fraqueza, por algum outro motivo que soe moderno e absurdamente cruel.
Me debato
Me debato
coração, cavalo novo, chama, mágica sem nome, força, se recompõe. sempre. sempre. como se não adiantasse cair, como se a estrela impedisse o desastre completo. o sangue ainda ferve, o corpo ainda respira. ele me pergunta de onde venho e eu digo a vc que não importa. não importa realmente a minha origem nesta hora, importa que a raiz guardada dentro sussurra seu feitiço e continuo.
Me levanto.
Me levanto.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

"Meu coração é uma planta carnívora morta de fome" (Caio F.).

"Você dita ao meu coração
O que ele não quer aprender, Zé
Você quer que o meu coração
Siga a tua receita só
Não, quero que aceite
O jeito que eu te dou de mulher
Não, e aproveite
O resto o tempo dá jeito" (Zé, Vanessa da Mata)

"Meu coração é um mendigo mais faminto da rua mais miserável. "(Caio F.)

não posso dizer nada.
calo.
calo quando vejo e quando não vejo.
até o momento exato onde dentro algo em mim vibra
de modo diferente,
como se houvesse vento e mudasse a direção.

as pessoas são diferentes de tudo que já vi.
por mais que queira entendê-las, elas estão ali do outro lado
do lado de cá, aceno, tento alguma comunicação mas
ela se perde.
deste lado onde fico, observo e
de tanto olhar, sinto-me dentro delas facilmente
mas me incomoda este estar por olhar perto demais
então, balanço a cabeça e falo besteiras
pra que ninguém descubra o meu segredo.

ás vezes, quero alguém que segure forte o meu pulso
até deixar as marcas dos dedos
quando ele partir, estas marcas me darão certeza da vinda
da existência passada de uma presença.
quando tocá-las, o nervo se contrairá e sentirei.
um milagre, sentir, sabe?
sentir qualquer coisa, intensamente, é absurdo quase
proibido quase
repare nos olhares alheios quando os casais se entrelaçam nas sombras
olhares sujando um desejo novo
como se querer descobrir o toque e o gosto do outro
fosse um desses defeitos irremediáveis,
uma fraqueza.

brindo á Resistência.
porque é preciso continuar
insistir em permanecer do lado de cá,
outros moram aqui desse lado, eu sei, eu sinto
ás vezes, nos encontramos
mas não falamos como conseguimos chegar aqui
ás vezes, nos engolimos
para percebermos que não adianta nada
amanhã, estaremos inteiros
e ainda teremos medo.
mesmo do lado de cá.
medo cresce em todos os lugares, sabe?
é preciso fingir não notar e ter o impulso de
mesmo assim, mesmo assim.

não posso dizer nada.
ando muito quieta, por isso falo sem parar.
o barulho das palavras me acalma
e disfarça o silêncio em que meus olhos estão afogados.
por isso, são necessárias as febres, sabe?
para acordar o corpo.
para deixar os sentidos atentos,
a alma afiada.
calo. não quero falar nada.
quero o toque preciso, forte, a marca,
uma espécie de dor agradável,
a entrega e o deixar-se consumir.

terça-feira, dezembro 12, 2006

Da natureza da carne

(para Gipsy)

Estreante (Manoel de Barros)

"Fui morar numa pensão na rua do Catete
A dona era viúva e buliçosa
E tinha uma filha indiana que dava a pancas
Me abatia


Ela deixava a porta do banheiro meio aberta
E isso me abatia
Eu teria 15 anos e ela 25
Ela me ensinava:
Precisa não afobar
Precisa ser bem animal
Como um cavalo. Nobremente
Usar o desorgulho dos animais
Morder lamber cheirar fugir voltar até
Nobremente. Como os animais


Isso eu aprendi com minha namorada indiana
Ela me ensinava com ungüentos
Passava ungüento passava ungüento passava ungüento

Dizia que era um ato religioso foder
E que era preciso adornar os desejos com ungüento
E passava ungüento e passava ungüento


Só depois que adornava bem ela queria
Pregava que fazer amor é uma eucaristia
Que era uma comunhão
E a gente comungava o pão dos anjos"

It´s all about us, baby


Carlos: You're crazy... / Vc é louca...
Nicole: ...and you're beautiful. / e vc é lindo.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Uma música para cantar alto

eu amo essa música do Seal.
Alanis fez uma cover ótima com vídeo bacanérrimo.
confira aqui

"A man decides after seventy years / um homem decide após setenta anos
That what he goes there for/ que ele ali vai para
Is to unlock the door / destrancar a porta
While those around him criticize and sleep / enquanto aqueles em volta dele criticam e dormem
And through a fractal on that breaking wall / e através de um fractal naquele muro quebrado
I see you my friend and touch your face again / eu vejo vc meu amigo e toco seu rosto de novo
Miracles will happen as we trip / Milagres acontecerão enquanto viajamos

But we're never gonna survive unless / Mas nunca iremos sobreviver a menos
We get a little crazy / que fiquemos um pouco loucos
No we're never gonna survive unless / não, nunca iremos sobreviver a menos
We are a little / que sejamos
Cray cray crazy / loucos

Crazy are the people walking through my head / Loucas são as pessoas andando na minha cabeça
One of thems got a gun to shoot the other one / Um deles tem uma arma para atingir o outro
And yet together they were friends at school / e mesmo assim eles foram amigos na escola
Get it, get it, get it, yeah! / entenda, entenda, entenda
If all were there when we first took the pill / se todos estivessem lá quando nós tomamos o comprimido pela primeira vez
Then maybe / daí talvez
Miracles will happen as we speak / Milagres acontecerão enquanto falamos

In a sky full of people only some want to fly / em um céu cheio de pessoas apenas alguns querem voar
Isn't that crazy / isso não é louco?
In a world full of people only some want to fly / em um mundo cheio de pessoas apenas alguns querem voar
Isn't that crazy / isso não é louco?
Crazy / Louco
In a heaven of people there's only some want to fly / em um paraíso de pessoas apenas algumas querem voar
Ain't that crazy / não é louco?"

Uma música para olhar distante

Ouvi essa música com atenção nessa semana, pela primeira vez.
O vídeo é lindo, com Robert Downey Jr.
assista aqui

"I want love, but it's impossible/ eu quero amor, mas é impossível
A man like me, so irresponsible / um homem como eu, tão irresponsável
A man like me is dead in places / um homem como eu está morto em algumas partes
Other men feel liberated / Outros homens se sentem libertos

I can't love, shot full of holes/ eu não posso amar, fui atingido e perfurado
Don't feel nothing, I just feel cold / não sinto nada, apenas sinto frio
Don't feel nothing, just old scars / não sinto nada, apenas antigas cicatrizes
Toughening up around my heart / endurecendo em volta do meu coração

But I want love, just a different kind/ mas eu quero amor, apenas um tipo diferente
I want love, won't break me down/ quero amor, que não me quebre
Won't brick me up, won't fence me in / não me endureça, não me cerceie
I want a love, that don't mean a thing/ eu quero um amor, que não signifique nada
That's the love I want, I want love / esse é o amor que eu quero, eu quero amor

I want love on my own terms/ eu quero amor nos meus termos
After everything I've ever learned / depois de tudo que eu aprendi
Me, I carry too much baggage / Eu, eu carrego bagagem demais
Oh man I've seen so much traffic/ ah, cara, eu já vi tanto tráfego

So bring it on, I've been bruised / Portanto, traga tudo, eu fui machucado
Don't give me love that's clean and smooth/ não me dê amor limpo e suave
I'm ready for the rougher stuff / eu estou preparado para a coisa pesada
No sweet romance, I've had enough/ Sem romance doce, eu já tive o suficiente."

terça-feira, dezembro 05, 2006

"Na alma do corpo, no fundo dos olhos- No fogo Fogo"

"We die, we die rich with lovers and tribes, tastes we have swallowed....../ nós morremos, morremos ricos com amores e tribos, gostos que engolimos
bodies we have entered and swum up like rivers, / corpos que entramos e nadamos como rios
fears we have hidden in like this wretched cave.../medos que escondemos dentro como nessa caverna escura
I want all this marked on my body./eu quero tudo isso marcado em meu corpo
We are the real countries, not the boundaries drawn on maps with the names of powerful men...../Nós somos os Verdadeiros Países, não as fronteiras desenhadas em mapas com os nomes de homens poderosos" (trecho de Katharine, O Paciente Inglês)


prometia buscar mundos,
não largar minha mão,
eu era vida, lua, sol, carne, luz, direção, Norte,
a mais vital das coisas vitais
das coisas, entende?
das coisas, eu era
a mais importante e principal

me carregava no pescoço
como jóia
talismã
acreditando que era fixa
uma dessas coisas imutáveis,
a mais irremovível das coisas
das coisas, eu era
a mais valiosa e cara

me segurava noite adentro
como um afogado agarra a coisa que o impede de afogar
ouvia os pesadelos todos, as sombras nos cantos do quarto
sempre falando de abandono, de abuso e de covardia
não me movia, porque sua mão segurava forte a minha
como se fosse a mais protetora das coisas
das coisas, eu era
a mais poderosa e cheia de mistérios

mas os dias passam, e a natureza verdadeira se revolta
como se dentro, não houvesse doma,
não fosse capaz de rendição,
não coubesse a identidade de coisa
assim inanimada
assim de uso
de casa
é como bater os cascos no chão
e respirar forte dentro da noite
como a lembrar de uma época bem antiga
acordando o sangue das febres acumuladas
acendendo os olhos das janelas que não foram abertas
e perguntando a esse outro: que coisa te disse que era?
que coisa disse que podia ser?
que coisa prometi que seria?

não lembro de prometer servidão,
de fazer votos ou demandá-los,
de pedir comunhão de venenos e milagres.
por que coisa então?
transformar-me em coisa,
esta que se gasta,
que se acostuma,
que se espera posta em espera,
em uma quase vida.

foi de corpo em corpo dilacerado que aprendi,
foi de boca em boca bebida que se abria vermelha,
dentro de cada olho precipício,
que encontrei a Selvagem gritando:
"não quero nada!
nada além do instante
nada além do que me pertence
dentro
e que com ninguém divido
as minhas fronteiras são guardadas
por forças que não dizem seu nome a estranhos
e que protegem incautos e viajantes
porque sou da natureza instável
de quem planta suas raízes no mais profundo
além da carne.
posso arder, ventar, chover, soterrar
e produzir dor, morte, prazer, vida.
não quero nada!"

(nunca consegui o nome da Selvagem, mas desconfio, em certas noites, que sou eu)