"Que seja doce."(CFA)

terça-feira, dezembro 21, 2004

Guardados.....

música para ouvir: Que emocion, Omara Portuondo
25.11.2001
Durmo entre pêssegos. Ofereço-os, me ofereço. Tenho um sono inteiro. Rezo por doçura e ele não entende. Nome nunca me importa; dou-lhe outro e ele estranharia, por não saber que o nome não lhe torna nem boca, nem nunca, nem (ah, nem mesmo) seu sorriso. Perfume suavemente entranhado nos poros que lhe dizem “boa noite, meu amor” quando suas mãos tapam os ouvidos e ele dorme com uma estrangeira que não sabe lhe querer bem.

08.02.2002
Nos livros que não li, nas músicas ainda desconhecidas, nas palavras que dormem cinderelas em meu peito: nestas coisas que permanecem intocadas, a esperança de estar ilesa.
A madeira pintada de branco disfarça seu traçado; enluarada, quase translúcida, minha pele nada esconde ou atenua: sou um caminho, uma estrada de sangue ansiando por peregrinos.

05.06.2002
Ele quer que lhe diga: há algo quebrado. Não há mais; há a saudade do acidente, há a nostalgia do desastre. Estou inteira e é um novo dia. Isso me assusta. Estar de novo ilesa. Há quem me odeie pelo mal que não fiz. Antes soubesse fazer o quê de mim é esperado. Sou tediosamente aleatória.

Pensamentos são rápidos, por isso murmuro em outra língua. Tento encantá-los, adormecê-los, para que assim escreva. Mas muito se perde, minha pele arde. Se ele me ignorasse talvez, mas ele me observa: o andar, o modo como minhas mãos se comportam, como me movo ou danço...o modo como mergulho em seu sangue, familiarmente absorta. Estou só na penumbra. Lento dia ensaia seus passos, últimos versos. Rezo por todas as noites e elas me engolem de um só golpe, famintas.

01.01.2003
Mais e mais pensamentos me tatuam, passo noites limpando minha pele.
As paredes brancas nunca se calam.

09.02.2003.
Ser prática, ser objeto utilíssimo e sem nome, só uso servil e calado; estar manso é ensaiar morte e não temê-la. Estar manso é escolher armas e sorrir sereno....ah, a doçura de quem sabe muito mais e ignora o aprendido; ah, aquele que escolhe a sabedoria da pele. Seria bom nada relermos de nós mesmos e não nos reconhecendo, sermos passíveis de começo inusitado.

Beije-me para que possa sentir estrelas nascendo em minhas veias. Empreste-me seu rosto...o quê perdi, o quê perdi não lhe tendo, que possa saber ainda não perder (nada sendo meu, há o desafio de estar livre de si mesmo). Suas mãos sendo minhas, quê toque descobrirei, quê novo tato me permitirá saber muito mais do que esta pele desconfia, quê mistérios respirarão meus poros travestidos em sua carne.

11.10.2003
Deixem meu coração inteiro, é o que penso, quando cortam á machadadas a porta do quarto. O corpo é um cão raivoso que se contorce com boca espumando. Não se compadeça, não se comova. Mantenha-se firme como aquelas flores murcham: elas enfrentam sua morte belas, tão belas....... Respiro pesado, com esta força, carrego três pianos (e eles estão desafinados). Inferno é não saber o que seu corpo pede, o que sua alma condena......inferno é estar encolhido, doloridamente, de cabeça para baixo em sua cama.

13.12.2003
Cada consciência que recobro é um dia mais lento.