Explicação para textos deletados: bom-senso. Auto-indulgência excessiva atrai mediocridade.
terça-feira, novembro 30, 2004
“(...) mas se por amor confundes e libertas o caos de tudo e de todos , por amor eu tento tocar mais fundo , procurando um vôo que não conseguiria jamais num amor menor." (Caio Fernando Abreu)
Décimo segundo fragmento da décima terceira voz:
“Não consegui. Do grande esforço através dos doze meses, doze signos, doze faces, só guardo essa certeza. Que tonta travessia. Tudo bem, descansa. Faz parte, não conseguir. Como Sísifo, se queres mitologias. Queres ainda? Por favor, estou farto. Brilhos baratos, as jóias eram todas falsas. Está certo, mas não quiseram te fazer mal. O mal não existe reverso do bem. Tanto faz, só peço que me deixem. Vou ficar encostado na árvore até amanhecer. Olhos abertos, feito uma vela acesa. Se ela insistir, direi que não tenho piedade alguma. Que não compreendo, não aceito nem perdôo mais a loucura. Se ele vier, pedirei que fique. Serei bom para ele. Mentira, não pedirei nem direi nada a ninguém. É indivisível, aprendi. Talvez consiga dormir. Talvez consiga acordar amanhã finalmente livre de tudo isso. Terei apenas um corpo, poucos pensamentos, todos pequenos. Sei que foi inútil quando os vejo obstinados recomeçar e recomeçar sempre. Uma serpente que morde a própria cauda, um círculo infinito de enganos, Maya. Talvez não, perdeste a fé? Não te castiga assim, está tudo em paz. Nunca houve cães. É como uma cantiga de ninar nas cinzas do fim do mundo. Um barbitúrico, se preferires. Entorpece, melancólico, te leva para longe. Já se perdeu, não há futuro. Repousa, meu amigo. Deixa-me passar a mão nos teus cabelos. Está amanhecendo. Em voz baixa, eu canto para te enganar.”
segunda-feira, novembro 29, 2004
Para olhar-flor na janela
Uma estrela avessa nos guarda quando caminhamos, entre o solene e o insano, dentro, cada vez mais dentro do mais escuro...
"Good times for a change
See, the luck I've had
Can make a good man
Turn bad
So please please please
Let me, let me, let me
Let me get what I want
This time..."
(Please, Please, let me get what I want, Smiths)
terça-feira, novembro 23, 2004
absolument moderne
“Não há nada misterioso em torno das energias do átomo: é nos corações humanos que reside o mistério” (Henry Miller em A hora dos assassinos, Um estudo sobre Rimbaud)
sexta-feira, novembro 12, 2004
Canção de despedida para Pedro
Felicidade dá paúra, Pedro, em quase todos que a gente conhece. Não confesse o que fizemos, não diga o meu nome, não invente um alter-ego, não escreva nossa história: me deixe morrer, nos deixe morrer, pelo menos uma vez, me dê razão. Não garanta que amanhã ou depois de amanhã, ou um dia qualquer em um mês luminoso da cidade laranja, nos encontraremos, com sorrisos amenos e intenções serenas. O inferno é a sobriedade, Pedro, não me peça civis gestos de indiferença. Gentileza, talvez, gentileza anônima de quem não se reconhece mais. Você perguntava até quando? até quando? no meu ouvido, olhando dentro de mim, talvez, de nós dois, aflito, suado, até quando? até quando?, tínhamos o mesmo assombro ardido, respondia tantas vezes, você conseguia me ouvir, Pedro, onde você estava, conseguia ouvir minha voz, sentir a pele azul embaixo da pele que suava junto com a sua, conseguia me ouvir dizer? Amor roendo a tudo, sem pressa, mas com uma fome que não perdoava a nada, varando tardes, madrugadas, noites inteiras, prometendo, queimando, dois cometas quando se chocam, Pedro, o quê acontece, se acontece, é possível? Eu não entendo de estrela alguma, além da minha, não sei explicar qualquer fenômeno além dos meus sentidos.
Não é para qualquer um, talvez, permita que faça as malas, Pedro, no escuro, como gosto de andar ás vezes, tateando e redescobrindo a identidade das coisas além da visão. Deixe que abandone o incontornável ponto que chegamos, passei a noite em claro, me despedindo de seu corpo enquanto você dormia, relendo cartas que guardo, cantando canções até enrouquecer. Não assustei os vizinhos nem acordei você, Pedro, que me ensinava os segredos do seu sono e pedia que interpretasse sonhos quase todas as manhãs. Não conte o que eu sei, não me descreva os modos, não me aponte na rua, não me ofereça uma bebida, não acene da janela.
Você precisa aprender a não se importar com a ilusão do futuro, não queira controlar o impossível, não caçe o próprio rabo, Pedro, como um cachorro tolo. Lembre que o lobo sou eu, eu sei que o seu sorriso, para muitos, é o melhor de você, mas sinceramente, meu amor, o melhor de você não está fora, não, eu vi o melhor de você, Pedro e era luminoso e intocável. Não deixe que eles saibam demais, não se apegue ao que já foi, não reinvente o passado, faça o que tiver que fazer, mas não pronuncie o meu nome secreto, nem meu medo de sangue. Finja que não aconteceu até o dia em que finalmente estarei enterrada, esta menina com os joelhos ralados. Até dela, me despeço, Pedro, depois de você, ela cresceu sem crescer, entenda: como a outra que abandonei para que ela brincasse, era preciso uma outra pessoa a carregar meu rosto.
Quê interessa se dói? Tem quem se gaste nessas quentes noites de boca em boca, como um beija-flor doente, mas não me importo com eles, fecho meus olhos e sorrio e agradeço e digo estas frases feitas que achávamos graça: eles ainda acreditam em mim como nunca poderia, Pedro, como não deveriam. Nossos super-poderes, ah, nossos super-poderes, meu bem, de onde vieram e qual o motivo? O pior vilão dentro, com suas ofensas terríveis, suas insônias culpadas: não quero saber de tecer mágoa, desalento, estes mares salgados na alma, com suas ressacas constantes, afogando as antigas musas, adoecendo a carne, maltratando o corpo. Em ser herói, em nos imaginarmos no filme, perdemos o foco, Pedro, do essencial, do belo, do verdadeiro, do bom? Faço as malas, fecho caixas, mudo de casa sem mudar de país. Não, não volto para as montanhas carcomidas que me guardam distantes, alguém me disse que o desafio é mesmo esse, de resistir, manter as raízes, permanecer.
Deixe-me morrer, deixe-nos morrer, não se agarre aos restos do naufrágio: o que me encanta é a intensidade mesmo efêmera, a gravidade profunda com a qual nos desfrutamos, não se entristeça, Pedro, não tínhamos mesmo opção, jovens e velhos, fortes e vacilantes, corajosos e tão covardes, o quê poderíamos ter feito, quem nos socorreria? Não maldiga o destino, nem prometa para si mesmo não deixar acontecer de novo: ah, Pedro, Pedro, meu querido, meu amor, foi um milagre termos chegado tão longe, nesse mundo, logo nesse mundo, talvez em outro planeta, tivéssemos chance. Mas o tempo, o tempo nos apagará gentilmente e passaremos, passaremos, me comove encontrar um casal na rua, Pedro e olhar nos olhos deles a mesma vontade, não, sei que não é a mesma, nunca será a mesma, mas existe a possibilidade, pelo menos, isso, a esperança de uma possibilidade de estarmos continuados nesses desconhecidos casais, ah, Pedro, ainda nos beijamos nesses outros que nem sabem de nós e isso é um alívio e uma verdade.
Seja o que for, não revele rigorosamente nada, nem rastro, nem lugar, nem uma palavra, se possível, faça como eu e pergunte: ahn?, aos que insistirem em esmiuçar nossos detalhes, não deixe que nos saqueiem, jogue no poço, amordace a memória até que ela fique mansa, ensinada e não volte mais à porta dessa casa, permita que ela se acabe, não visite as ruínas, lembre-se que sou eu quem gosta de suspirar o antigo como se tivesse perdido algo que desconhece, melhor, não lembre, melhor assim, tornar a ser nada é uma espécie de libertação, meu bem, não se assuste, haverão outras lembranças a serem vividas e colocadas no lugar. Deixo a porta aberta para que o vento derrube o que ainda de pé, embaralhe os papéis na mesa, ah, os papéis na mesa, Pedro, esvazio esse quarto, o número, em vermelho, na porta, sorrindo ainda, a sabedoria das coisas imutáveis. Um amigo escreveu que escritores medíocres quando não sabem terminar usam reticências, Pedro, não estou me dizendo medíocre, pelo contrário, minha arrogância nunca o permitiria, mas não ouso terminar em um ponto seco, cru como um golpe de faca, apunhalando o espaço indefeso entre nós dois, prefiro tentar tecer um silêncio, um silêncio espesso que cresce e crescerá entre nós, nos separando até que você não mais me veja, minha vista também não lhe alcance, e um dia , um dia....
quarta-feira, novembro 10, 2004
Quando Ana mente
“You try to tell yourself the things you try tell yourself to make yourself forget to make yourself forget
I am not worried "If it's love" she said, "then we're gonna have to think about the consequences" cause she can't stop shaking and I can't stop touching her and.....This time when kindness falls like rain it washes her away and Anna begins to change her mind.” (Anna begins, Counting Crows)
"Pra que mentir se tu ainda não tens esse dom de saber iludir?
Pra quê?! Pra que mentir se não há necessidade de me trair?
As mentiras, ah, as mentiras bestas de Ana me seduziam...a fraqueza, a covardia, a humanidade imperfeita espelhada em Ana. Seus olhos falavam comigo. Diretamente. Não era lá muito confortável, admito. Ser visto, realmente visto, por alguém e ainda conseguir sentir as palavras na retina alheia. Ela não se importava com meu embaraço, jeito grave, honesto de olhar que suspeitei ser só de Ana. Acostumado que estava a pessoas que olham para os outros e até a si mesmas como coisas, o meu assombro era compreensível. Reconhecíamo-nos como dois perdidos em um mundo de cegos, como naquele livro do Saramago.
As mentiras, ah, as mentiras estúpidas de Ana me atraíam, como clichês ridículos que escritores sem talento gostam de usar. Insistentemente, dia após dia após dia, cada falsidade era um novo brilho em suas escamas. Ana era dragão queimando com seu hálito quente meus sonhos, sereia cantando docemente meu naufrágio. Ana era minha descoberta maligna, minha queda de anjo, meu despertar avesso. Aprendi as vogais, as consoantes, os pontos de exclamação, as pausas dos longos cílios negros. Tanto fiz que sabia por eles, só por eles, o que ela sentia. Foi assim que percebi o primeiro eu te amo na dilatação das pupilas. Não ousava pedir qualquer explicação, pelo contrário, com certo alívio recebia suas imperfeições: suas tentativas de iludir davam gosto, se poderia assim explicar, eram o amargo do meu amor.
As mentiras, ah, as mentiras tolas de Ana eram pérolas de uma encenação que em nada lhe era peculiar. Como se ela disfarçasse até para si mesma sua verdadeira identidade. Com estes mesmos olhos que fitam o papel, podia ver a alma de Ana, o que ela poderia ter sido, o que ainda restava imaculado. Eu via o intocável de Ana e por ele, apenas por ele, me apaixonava. Disfarcei como podia essa comunicação infalível. Era meu segredo? sina? estrela? Não acreditando em destino, desconfiava de uma certa conjuração de astros, um posicionamento peculiar que nos favorecesse. Eram desculpas românticas tecidas por minha mente agitada, que construía planos impossíveis de tão ingênuos.
(continua)
segunda-feira, novembro 08, 2004
London Calling
(trechinho final de London Calling que terminei ontem ás cinco da manhã- quando puder transcrevo o conto inteiro para cá)
- Você me dá enjôo.
Como poderia explicar que o desejo que sinto é uma persistente sensação de perigo? Como se brincasse com álcool perto do fogo, engolisse chumbinho como se fosse confeito, desafiasse meu equilíbrio no parapeito da janela? Não, fico calado e tento conter a náusea quando sinto seus braços. Em algum ponto, o extremo desejo me causa repulsa: seu corpo é o meu mal, meu alho, minha cruz, minha estaca de madeira, minha bala de prata. Você, pouco inocente, me abraça e quero gritar um uivo único, manter-te longe para estar a salvo de sentir demais. Mas teu cheiro se entranha em minha pele, pegajoso, tão fácil, e minhas mãos tremem, buscando seu rosto (mas não alcançam). Em alguns dias, bebo para esquecer do que sei. A verdade é a única coisa que não posso lhe dar, repito três vezes, bíblico e insone. Esta verdade que invento para que você me perdoe a inocência com a qual vivi até entender que nunca poderia ter sido. Inocente, digo. Mas a incoerência do meu afeto não permite sinceridade.
Não tenho nada além do que carrego dentro do meu peito. Nos meus bolsos, cabem os fantasmas dos versos que não fiz. Ás vezes, quero ouvir uma canção de amor definitiva para aliviar a solidão. Você não acredita em eternidade e conta sua última descoberta metafísica. Desconfio que não sou tudo que digo, nem sei o nome da verdadeira fé que professo. Parece uma cegueira estranha, como se só pudesse ver o que ninguém repara e a vida fosse uma espécie de filme distante, passo meses a fingir que não compreendo.
Na rua, salto poças enquanto finjo não ver seu sorriso: eu sou o que resta da minha linhagem, a última coisa que preciso é isso que você me oferece. Minto com desfaçatez, ignorando a garganta machucada, como uma dessas pessoas que conheço: elas parecem a tal ponto irreais que desconfio não serem concretas, sento-me na mesa esperando que se desfaçam com um golpe de ar. Vou me agarrando ao meu desconforto porque é a única sensação sincera no espaço entre as frases. Na encenação, finjo um teatro kabuki que não entendem, teço a trama mais ridícula, quase me compadeço. A dor branda que ostentam, bem alimentada por chopps e conversas vazias e atmosfera cool, não me sensibiliza. Existe sofrimento nas sombras das ruas bem iluminadas do Leblon e elas se alimentam do lixo nos sacos pretos, resistem ao abandono e ao desprezo dos bem-nascidos. Quero uma saída comum, você não sabe, mas ignoro direção. Não faz sentido o que tenho feito: dia após dia após dia, leio os jornais esperando um sinal.
- Quero o que vem depois, você entende?
- Melhor mesmo é não tentar entender por teoria, mas pelos sentidos
- Eu não quero teu amor de cão.
- Lobo
- Que seja, eu não quero.
- Mas eu quero.
- O quê?
- Ver o que vem depois.
sexta-feira, novembro 05, 2004
Uma coisa a toa
By the light of stereo waltz
And will you rain down
In your cinematic love truck
I wanna hold you like nothing gonna stop us....
I don´t breathe another lover
I´m an alien You´re an alien
It´s a beautiful rain” (Alien, Bush)
Não sei se isso é medo. Agora, quase quatro da tarde, procuro uma palavra. Sem pista alguma. Quero mandar uma frase para você, do Murilo Mendes. Uma frase ás quatro da tarde. Como um modo de dizer que estou aqui. Mas de repente, meus pulmões arranham. Um saco de gatos: pretos, brancos, malhados. Eles, aqui dentro com suas unhas afiadas, fazendo estrago. A copeira diz que mel resolve, o moço diz que um copo de água e sal ajuda e só consigo lembrar do livro que estou lendo onde um moço diz a outro: “para escrever é preciso nunca estar satisfeito”.
Talvez eu me canse agora que a roda gira mais rápido, meu passado não existe, e o agora parece sobrar como um camisa grande demais. Quando você anda pelas ruas, quase perco o pouco nos meus bolsos, comprando fitas e balas e brilhos para te agradar. E nada agrada o teu jeito inquieto, me vejo, voltando para casa, sem lembrança de beijo para facilitar o sono. Sento aqui, nesta cadeira, ouvindo a minha respiração desafinada, fico inventando um filme onde eternamente, eternamente qualquer coisa assim, secreta, aconteceria entre nós. Um filme para dois, só para dois, você entende? Sem contar a ninguém onde fui, para a mágica do desaparecimento funcionar. Quem sairia primeiro da cartola na sala escura?
Ouço punk rock, só consigo usar estas botas gastas, balançando a cabeça, vou andando: volto quando amanhece. No distante, alguém acena, esperando que diga que onde ando está raso, mas sei que o fundo do azul nada tem de macio. É um alívio perceber que ainda estamos vivos depois de afogamentos e naufrágios. Da janela, vejo que o sol transforma a lataria dos carros em espelhos, o mar brilha e tudo parece calmo visto de cima. Ouço punk rock e sei que esta quietude das coisas é aparente. E perigosa.
Dedos nas teclas se acostumam dia pós dia. Você acha que me conhece, mas cheguei ontem aqui e não reconheço ninguém. Você insiste em me chamar por outro nome, pouco a pouco vou perdendo o arredio quando percorro as mesmas ruas. Vejo demais, por isso, aumento o volume até que meus olhos só consigam enxergar a porta de saída. Estamos sempre correndo perigo quando nos julgamos a salvo, as meninas desconhecem meu sangue, você sabe.
Eu vim de outro lugar.
quinta-feira, novembro 04, 2004
Sem título
Meninas se gastam todos os dias.
Suspiram estilhaçadas todas as noites.
Meninas adoecem com olhar distante depois de muitos excessos.
Gargalham entre goles de cafés em alguma delicatessen da Zona Sul.
Tem roupas e sapatos demais.
E nenhuma resposta.
Perto, tanto que esta náusea, constante,
Lutos mantidos por meses, em silêncio
esperam corvos disfarçados
Flores negras imitam veludo e secam nas golas dos casacos
Tão fácil escrever passadismos darks
Tão fácil cantar o degredo
Estou farto desta corte ao mais escuro
A esta ausência de luz.
O que eu vejo
Entre as bocas e mãos e corpos
É um tanto de luz desperdiçada
Uma possibilidade latejante de alguma verdade
Atrás de fáceis personagens e graves expectativas
De preenchimento.
Leio livros no chão, perto da pequena estante.
Tenho saudade profunda de uma época que desconheço.
Busco transcendência enquanto caminho por ruas antigas.
Gastei meus retratos 3X4 em fichas de clubes sem importância
Todo cálice vulgar que recusei, foi-me creditado e
Mesmo assim
Sem buscar defesa, calei-me
A maledicência sempre é
De alguma estranha forma
O rosto verdadeiro e desfigurado
De quem acusa
Muitos, cegos de estupidez
Caminham
Salivando
Rangendo
Suas velhacarias
Suas pequenas misérias
Covardias
Mediocridades
E eu me mantenho
Aquele que socorre
ao mesmo amor que guerreia
E que roí meus calcanhares
O verme sendo estrela
A estrela sendo verme
Tantos disfarces
Para o mesmo rei nu
Nascemos no tempo certo
Mesmo que meninas e meninos
Mães e pais,
Irmãos
Amigos
Nos sussurrem os pontos errados
As falas equivocadas
Os conselhos temerários
O que eu vejo
E que nunca pude confessar
As canções que cantei em um ouvido desmaiado
As promessas que fiz à carne macia do algoz
É este excesso de brilho em todas as coisas
Esperando um toque, um toque apenas
Uma coragem que não se diz.
De liberdade sem sangue nas mãos
Nobre
Eu vejo milagres nas brechas
No silêncio antes do fim.
"Os poemas são para nós uma ferida"
(Trechos escolhidos de Inéditos e Dispersos, Ana Cristina César)
"Não está morrendo, doçura
Assim como eu disse: daqui a dez anos estarei de volta.
Certeza de que ainda nos reencontramos.
Doçura, não está morrendo.
Barca engalanada adernando,
mas fixa: doçura, não afoga"
"surpreenda-me amigo oculto
diga-me que literatura
diga-me que teu olhar
tão terno
diga-me que neste burburinho
me desejas mais que outro
diga-me uma palavra única."