"Isto não é um lamento, é um grito de ave de rapina." (Clarice L.)
o problema de doer existe. silenciosamente, existe, sem que possa apontar para vc, olha é isso que incomoda, olha é isso aqui que destoa na superfície lisa como um caco de vidro perdido dentro da carne.
não tenho visto nada apesar das janelas. nada. não ando até o mar porque subitamente o encanto se perdeu. não, o mar continua, sou eu, entende? perdi o encanto, como se lançasse uma sombra dentro. o escuro não á assustador, mas impede que entenda e veja e saiba.
seria fácil pedir nunca mais volte aqui. seria fácil e os cristais partiriam todos, não teria nada mais sagrado, nenhum tesouro. vc precisaria insistir, arrombar a porta, talvez? não acredito que recusasse sua entrada em qualquer lugar. vc anda em mim com a coragem que não possuo, mesmo sabendo que é pouco seguro, não te aviso: gosto de vc aqui, gosto de vc embora arda sentir e defender.
é preciso ser aceito? por quem, por quê? que valem as permissões que peço? eu, a que busca sempre as aprovações de deuses alheios. os caprichos por um instante de atenção. limitadamente, estou aqui a porta. como alguém que não se basta. embora diga, não, não, sou toda afirmativa urgente.
não nasci luminosa quanto devia?
tenho vontades e obrigações e necessidades, a outra diz. queria entender e aceitar resignadamente cada pedaço do meu destino.
caminho com dificuldade entre palavras, vc percebe? receio de outros olhos. medo de outros olhos. minha alma tem períodos de seca e extrema cheia: sou agreste ou alagada. vc sabe nadar?
eu acredito.
quinta-feira, março 29, 2007
2:00
então ela vira e diz qualquer coisa.
ele também.
ela queria não ter dito (saudades de Audrey Hepburn). quer fazer jejuns, quer ser santa, quer se isolar em cima do morro, em cima da pedra, nunca mais ver gente, nunca mais ver carros e sinais e placas e lojas e todas essas coisas inventadas que nos atordoam.
mas ela disse.
não é vontade de não ter dito, ela pensa, é nem sentir o impulso de dizer nada. ficar impassível, calma, se-re-na. ela não tem isso, mas gostaria. assistir sem choque, sem espanto, ao fim do mundo.
acho que ela se sente diferente, inexplicavelmente diferente. como se sentisse ranger onde deveria latejar. o sentido, onde está o sentido? como pedir, gritar, tocar quando falta sen-ti-do?
esta solidão nos enferruja.
a estrada não deveria ser fácil?
a casa vazia. a água congelando no refrigerador.
ninguém em lugar algum espera. seria bom pensar que alguém espera? mesmo que ela nunca chegue? se pudesse chegar, daria tempo?
ela gostaria de saber lá na frente. mesmo que fosse injusto saber. mesmo assim, uma garantia e dormiria sem pensar no significado, nos símbolos, sem precisar escavar em si mesma o resultado, os presságios. ela queria mais fácil.
mas ela torna difícil. afinal, são contas e convites e olhares e ameaças e possibilidades e armadilhas: incontáveis vezes, tenta não olhar pra baixo, mas lá está ela, rosto para o fundo.
não teme, indiferente.
o mal sendo exatamente esse.
falta de apego ao seguro, ao prudente. quantas vezes ainda transformar o estranho em amigo para testemunhar o equívoco? quantas vezes dar as costas para sentir o frio da lâmina?
não teme, indiferente.
como se toda vileza, traição, promessa falsa, jogo de cena, truque de mágica fosse naturalmente parte do jogo?
ela não sabe jogar, teria explicado, mas o tempo.
sim, o tempo.
a casa continua vazia.
ela gostaria.
acho que ele também.
mas hoje parece tarde demais quando outro dia.
outro dia.
?
sábado, março 24, 2007
noite
"It's always best when the light is off
It's always better on the outside
Fifteen blows to the back of your head
Fifteen blows to your mind...."
o mesmo olhar, o mesmo perfume na janela, o mesmo senso de perder chão, o mesmo, mais do mesmo, meu irmão....vamos brindar um dia desses, vamos correr pelas ruas quando estiverem vazias, tenho saudades do meu bairro abandonado, meus passos indo para a antiga casa....do escuro de antes.
a noite aqui tem outros barulhos, sabe? outros rostos e muitos vazios. as luzes são poucas nas varandas, desconfio que vivo no meio de edifícios abandonados.
"Kill me Sarah,
kill me again with love,
it's gonna be a glorious day..."
não posso te confessar nada, são tantos os que gostam de escutar atrás, vc sabe, meu irmão, mas gostaria tanto de poder lhe contar qualquer coisa nova, inventar alguma história, algo que nos acendesse como há muito, vc sabe, há muito...falta uma voz, uma voz para formar o coro, o chão da cidade subitamente se abre e nos engole, inteiros, a cidade não sabe mastigar, meu irmão. não tenho bolsos, não tenho vícios, não tenho quem me diga assim baixinho com ar de nunca mais:
"hey man, slow down, slow down,
idiot, slow down, slow down..."
não consigo olhar pra trás com ar muito sábio, vc sabe, olho e não vejo nada. mania de enterrar os mortos e apagar rastros. marco zero todo dia. desaprendi a suspirar, desaprendi quase tudo, talvez para aprender de novo, dessa vez, quem sabe? ele me olha de perto me olha e eu não vejo nada, meu irmão. estou aqui, com esse novelo que vive desenrolando, fios soltos em toda parte, felinamente, não sei, conto meus nãos como contas de um colar que guardo para usar em uma noite especial que cisma em não chegar.
(trechos de Radiohead)
segunda-feira, março 05, 2007
"O Amor é a grande desilusão de tudo o mais..."(Clarice Lispector)
"I have heard a hundred violins crying
And I have seen a hundred white doves flying
But nothing is as beautiful
As when she believes in me" (When she believes, Ben Harper)
entre nós, existe um espaço, um vago onde não pudemos entrar. um vão onde ficam os medos que insistimos apesar da inexistência de sombras. entre nós. por vezes, nos esquecemos e parece (só parece) que a água nunca turva, o céu nunca escurece, os filhotes nunca morrem. o Tempo é bom e calmo, as palavras são gentis porque não nos defendemos.
é de repente, que os olhos mudam, como se embaçados, enxergar se torna difícil....e ver o outro, parece tão distante, como se estivéssemos em lados opostos e não na mesma margem. me torno estranha, uma Outra, que vc espera um gesto fatal, um veneno, uma mentira. sou traiçoeira nos teus pesadelos como se não bastasse toda a nudez com quem falo e me mostro. eles não sabem: existe uma nudez além da pele, muito mais profunda.
vc, na outra margem, afogado em silêncio, não se debate, não gesticula, não se aproxima. vc cala, como quem pudesse acusar de tantos crimes, alguém que nem desconfia do papel de bandido no filme. eu, do outro lado, espero como quem faz de esperar a maneira de responder : nada temo, porque não existe culpa. quando vc se despede, dando as costas, num ímpeto de pisar forte e falar duro, nada faço. algo em mim se encolhe, apenas, como se desencantasse, como se voltasse a ser sapo, voltasse o feitiço: a mágica de sentir não tem piedade dos nossos erros, imagino.
mas se vc acreditasse, se vc apenas acreditasse, talvez, a minha espera, o meu desencanto, tudo passasse como um sonho ruim, e refeita, perdesse a memória dos desastres, dos mal-entendidos como um bicho maltratado que retorna ao ouvir ser chamado, e aceitasse o carinho como se apenas esse toque doce existisse.
por isso, eu espero, espero, que vc acorde e me chame sempre, para o outro lado, a tua margem.