"Que seja doce."(CFA)

quinta-feira, março 29, 2007

2:00

então ela vira e diz qualquer coisa.
ele também.
ela queria não ter dito (saudades de Audrey Hepburn). quer fazer jejuns, quer ser santa, quer se isolar em cima do morro, em cima da pedra, nunca mais ver gente, nunca mais ver carros e sinais e placas e lojas e todas essas coisas inventadas que nos atordoam.
mas ela disse.
não é vontade de não ter dito, ela pensa, é nem sentir o impulso de dizer nada. ficar impassível, calma, se-re-na. ela não tem isso, mas gostaria. assistir sem choque, sem espanto, ao fim do mundo.
acho que ela se sente diferente, inexplicavelmente diferente. como se sentisse ranger onde deveria latejar. o sentido, onde está o sentido? como pedir, gritar, tocar quando falta sen-ti-do?
esta solidão nos enferruja.
a estrada não deveria ser fácil?
a casa vazia. a água congelando no refrigerador.
ninguém em lugar algum espera. seria bom pensar que alguém espera? mesmo que ela nunca chegue? se pudesse chegar, daria tempo?
ela gostaria de saber lá na frente. mesmo que fosse injusto saber. mesmo assim, uma garantia e dormiria sem pensar no significado, nos símbolos, sem precisar escavar em si mesma o resultado, os presságios. ela queria mais fácil.
mas ela torna difícil. afinal, são contas e convites e olhares e ameaças e possibilidades e armadilhas: incontáveis vezes, tenta não olhar pra baixo, mas lá está ela, rosto para o fundo.
não teme, indiferente.
o mal sendo exatamente esse.
falta de apego ao seguro, ao prudente. quantas vezes ainda transformar o estranho em amigo para testemunhar o equívoco? quantas vezes dar as costas para sentir o frio da lâmina?
não teme, indiferente.
como se toda vileza, traição, promessa falsa, jogo de cena, truque de mágica fosse naturalmente parte do jogo?
ela não sabe jogar, teria explicado, mas o tempo.
sim, o tempo.
a casa continua vazia.
ela gostaria.
acho que ele também.
mas hoje parece tarde demais quando outro dia.
outro dia.
?