Sertão
não, vc não sabe nada quando me odeia.
vc não sabe nada.
vc não sabe nada quando me olha e imagina que tudo bem, vc pode se dar ao luxo de perder, de cair, de inventar culpas. mais uma desculpa, boneca? vc não se cansa, o circo montado e vc continua, como se o número fosse novo e ninguém soubesse o que vem depois??
eu não quero amor de cão. nem teus filhos, nem nada disso. não quero ter tuas raízes plantadas no meu chão. promessas, palavras, beber dessa mesma taça dias seguidos, cansar, cansar do mais do mesmo gosto da mesma bebida servida sempre, sempre tarde demais para matar a minha sede.
na minha alma era sempre sertão.
vc não sabe nada. nem vc, vc que gosta de fingir que nem. é a carne. só a carne? eu não sou um vaso, me recuso a essa identidade de coisa, assim, imposta pelo desejo de qualquer. sempre um qualquer e o desejo me tornando alguma outra que parte.
na minha alma era sempre sertão. a garganta seca. os olhos ardendo. a pele do avesso secando, sufocando o calor e nem sinal de água, nem sinal de chuva, nem.
mas ele vem. ele. eu que não esperava. ele. no meio do deserto. ele.
vc quer que te peça desculpas por ter mentido? mas eu jurava que era amor quando não era. era vontade de ter amor, ser como nos filmes, enquanto não olhava teu rosto de frente pra dizer: não, isso não é amor, mas fome. a fome da espera me jogou contra vc como a corrente joga contra as pedras. machuca, arranca a pele, quase fatal.
mas ele. aplaca a minha sede. acalma minha natureza de extremos. não arde.
ele. no meio do deserto, chove. é um milagre. o sertão vira mar, mãe?
eu não sei, eu não sei, mas quando ele se despede, as ondas me embalam pra dormir.
quando ele não está, tenho o mar.