Mais simples
posso passar a tarde aqui, dizendo coisas.
com as mãos no queixo, ás vezes, tirando o cabelo dos olhos, sorrindo de lado, porque eu sei que você quer entender, sei que você gostaria de me seguir até minha rua, me colocar para dormir depois da minha voz falhar.
sei que o que faz você querer me seguir é esse meu jeito de dizer coisas assim como quem não sabe a gravidade do que diz, porque afinal ninguém mais parece ter vontade de dizer nada, as pessoas mastigam as mesmas palavras todos os dias. e vc me olha pensando se ás vezes, só ás vezes, não devo deixar alguém entrar nem que seja por algum tempo...
vc sente. eu sei que você sente pelo jeito que ás vezes parece querer fechar os olhos quando digo algo que te agrada, imagina que talvez, talvez deixe você ficar mais um pouco.
atenção é como o sol em dia frio. como nas escadarias daquela cidade, onde eu aguardava o sol da manhã fria e meus cabelos ficavam transparentes no colo dela. vc não sabe, não tem como saber.
não posso tirar o sol de mim, não posso recusar iluminar vc. mesmo que saiba o que isso significa, agora, aqui, eu sei que todas as saídas não parecem fazer sentido.
mas nada fez muito sentido ultimamente. vc não sabe e não posso contar.
não vou mentir para vc. mesmo aqui, agora, dizendo coisas, não posso mentir para vc. vc que estica sua mão e toca a minha porque insisto em não te olhar agora.
vc tem olhos parecidos com os meus, olhos que afogam. e sei do risco de olhos assim por tê-los pregados no rosto. não se debruce no poço....
vc não me pergunta, apenas diz baixo: vc não gosta de olhar de frente.
sorrio, pois eu sei o que me custa não olhar vc assim, aberto, provocativo.
não vou mentir para vc: eu tenho evitado tudo.
adianta?, vc fala mais baixo ainda.
não, a vida não respeita muito essas vontades.
poderia passar a tarde aqui, dizendo coisas, vc sabe. vc sabe quando me despeço.
poderia continuar aqui e deixar que vc me encantasse e garantisse que nada nada pode me alcançar agora. que estou a salvo nesse domingo absurdamente ensolarado.
mas, por enquanto, vc também não irá mentir para mim....
?
(*escrito ouvindo Esconderijo, de Ana Canãs)