"Que seja doce."(CFA)

segunda-feira, agosto 30, 2004

Gato exato

"Tivemos tudo, não faltou nada
E ainda a madrugada nos saudou na estrada
Que ficou toda dourada e azul"
(Vera gata, Caetano Veloso)

Bate a cinza (ou poeira?) no casaco. Olha o relógio no pulso da mulher parada no sinal. Cinco ou seis da tarde. Agüenta o latejar das veias nas têmporas, não se aflige com o tique nervoso de tremer a pálpebra esquerda. Sente ainda o cheiro grudado no corpo, demarcando território talvez, não importa, inspira com força aquele cheiro, com olhos fechados quase. Com força, passa a língua pelas gengivas até que sangrem e percebe que o gosto tem cor. Vinho. O Amor novo despontando dentro da carne, violento e bom, descoberta que exaure e sacia, medo que não suspeitava. Os músculos das costas doem, sorri ao apalpá-los: perceber-se devasso e contorcionista torna o cotidiano de ternos e cafés suportável. Conversa com as pessoas sem enxergá-las, dentro passam filmes inventados e reprises das noites, das febres. Sente-se desperto, lúcido como se abrissem (quem?Deuses sem nome ou rosto) um universo inteiro, de doçura selvagem.