Volta pra Casa.
"Horses in my dreams
Like waves, like the sea
On the tracks of a train
Set myself free again
I have pulled myself clear...." (Horses in my dreams, PJ Harvey)
Como ondas de afastamento, levando cada vez mais longe, até que os rostos virem pontos, quase perdidos. Olha a mão espalmada no chão, as unhas longas, tenta ver os ossos dos dedos, as ligações dos músculos, o sangue, imagina a corrente chegando até o latejar da cabeça e sorri ao primeiro estranho que cumprimenta, sentando do outro lado da sala. Os nomes, esquece deles, apenas ouve, ouve, ouve até que as vozes se tornem um só barulho que se junta ao som de uma música qualquer. Um ruído a mais. Espera, outra vez a maré retorna, relaxa o corpo à medida que respira, quase sente a espuma bater em seu peito, lembra do cheiro do mar no Arpoador quando amanhece, mistura com o cheiro de um pescoço, lambe a boca, a memória de um beijo explode nos poros com uma força que deixa os olhos molhados. Uma nostalgia quase, uma vontade de voltar, mas sem saber onde, como poderia esse retorno, talvez o esperem, talvez ainda o esperem,. Olha a praça verde e um pouco decadente, tão bela, com seus postes antigos, quer contar que um dia foi cigano, percorreu mundos, que um dia foi celta, soube feitiços, que foi soldado, matou gente, mas nada disso importa agora, embora carregue o peso do Tempo dentro, reconhece.
Vejo a menina de vestido lilás dançar, ela ri e conta que não acredita que seu escritor favorito é também o meu, me empresta um livro, grava meus cds, mexe em meu cabelo, rodopia no meio da sala. Parece natural que o outro ofereça seu cachimbo, hash, ele diz, traz o rosto marcado, estamos todos ali, em uma noite de inverno na cidade felina. A cidade é uma gata, trocando de cor de acordo com a luz. Não conto que eles estão mortos, nós todos já estamos mortos, por isso tão urgente fazer alguma coisa, contar visões que passam despercebidas, amar com pressa e sofreguidão, mergulhar o mais fundo possível, para que esta morte não seja em vão. Mas não, não, quem está preparado para esta revelação, mesmo que óbvia? Engulo, com a bebida, o presente recebido ao chegar. É uma outra porta que abro, com fitas coloridas de cetim, a menina rodopia no meio da sala, os outros fingem conversas, as frases fragmentadas, incompletas como se brincassem, mas sei que não, que é assim mesmo, sem lógica, sem continuidade.
Deixa a cabeça inclinada para trás, fecha os olhos, sente a brisa da Guanabara em seu corpo, respira fundo o ar do mar, como se voltasse, pensa, como se voltasse, mas ainda sem chegar ao lugar marcado, será que ainda me esperam, será que ainda é possível, ri sozinho porque não conta o quê pensa aos outros, que acenam da areia. Pisa com pés descalços, uma espécie de arrepio percorre a pele ao contato com a areia, ao ver o rosa alaranjado do horizonte, cheiros do início do dia em suas narinas, um frescor misturado ao não dormido da noite. É como se também pudesse nascer de novo, sair um outro imaculado de dentro de si mesmo, se tornar mãe, pai e filho em um só, em uma ousadia de semi-deus, ter e ser Tudo, não temer mais a solidão absoluta da alma. Sabe que existe um limite, tênue, ir além seria renegar ao humano e são dentro dele.Olha os outros que o acompanham, estiveram ao seu lado durante toda a noite, mas tão distantes, como se fossem ilhas, pontos desconhecidos em um mapa.
A luz do sol se divide em milhares de raios, por entre as nuvens. O frio torna meu rosto pálido, mas não aceito o casaco que me oferecem, quero este gelar para que a carne acorde, reclame, estar vivo também é desconforto, mas não explico, apenas recuso a gentileza do estranho. A menina de vestido lilás é a única que conheço, ela e suas risadas, seus rodopios, guardo apenas seu nome, peço que nada a alcance, mesmo que saiba todos mortos, peço para que seja sempre menina rindo, dançando na areia. Poderia confessar que foi um súbito, não, não foi um repente, mas algo lento, preciso, de uma verdade inquestionável, sem arroubo nenhum, assim que entro no mar. Sigo, cada vez mais dentro, dentro, como se retornasse ao grande útero verde, á Mãe de mudez selvagem, quero gritar aos outros que acenam na praia, que está tudo bem, que não me sigam, mas meu rosto quase coberto pela água, o sal arranhando a garganta, ardendo, sem dor ou desespero, os pulmões reclamando por ar, espasmos dos músculos. Em lucidez serena, sinto o apagar do sentidos com uma luminosidade que não sei de onde, não entendo como, apenas aceito o absurdo e o sublime sem divisão qualquer, o clarão tão próximo, me envolvendo, me absorvendo, como se voltasse, como se voltasse, e sim, sim, eles me dizem sem palavra ou som, me acolhendo, depois de tanto, depois de tanto, sim, eles me esperavam.
Vejo a menina de vestido lilás dançar, ela ri e conta que não acredita que seu escritor favorito é também o meu, me empresta um livro, grava meus cds, mexe em meu cabelo, rodopia no meio da sala. Parece natural que o outro ofereça seu cachimbo, hash, ele diz, traz o rosto marcado, estamos todos ali, em uma noite de inverno na cidade felina. A cidade é uma gata, trocando de cor de acordo com a luz. Não conto que eles estão mortos, nós todos já estamos mortos, por isso tão urgente fazer alguma coisa, contar visões que passam despercebidas, amar com pressa e sofreguidão, mergulhar o mais fundo possível, para que esta morte não seja em vão. Mas não, não, quem está preparado para esta revelação, mesmo que óbvia? Engulo, com a bebida, o presente recebido ao chegar. É uma outra porta que abro, com fitas coloridas de cetim, a menina rodopia no meio da sala, os outros fingem conversas, as frases fragmentadas, incompletas como se brincassem, mas sei que não, que é assim mesmo, sem lógica, sem continuidade.
Deixa a cabeça inclinada para trás, fecha os olhos, sente a brisa da Guanabara em seu corpo, respira fundo o ar do mar, como se voltasse, pensa, como se voltasse, mas ainda sem chegar ao lugar marcado, será que ainda me esperam, será que ainda é possível, ri sozinho porque não conta o quê pensa aos outros, que acenam da areia. Pisa com pés descalços, uma espécie de arrepio percorre a pele ao contato com a areia, ao ver o rosa alaranjado do horizonte, cheiros do início do dia em suas narinas, um frescor misturado ao não dormido da noite. É como se também pudesse nascer de novo, sair um outro imaculado de dentro de si mesmo, se tornar mãe, pai e filho em um só, em uma ousadia de semi-deus, ter e ser Tudo, não temer mais a solidão absoluta da alma. Sabe que existe um limite, tênue, ir além seria renegar ao humano e são dentro dele.Olha os outros que o acompanham, estiveram ao seu lado durante toda a noite, mas tão distantes, como se fossem ilhas, pontos desconhecidos em um mapa.
A luz do sol se divide em milhares de raios, por entre as nuvens. O frio torna meu rosto pálido, mas não aceito o casaco que me oferecem, quero este gelar para que a carne acorde, reclame, estar vivo também é desconforto, mas não explico, apenas recuso a gentileza do estranho. A menina de vestido lilás é a única que conheço, ela e suas risadas, seus rodopios, guardo apenas seu nome, peço que nada a alcance, mesmo que saiba todos mortos, peço para que seja sempre menina rindo, dançando na areia. Poderia confessar que foi um súbito, não, não foi um repente, mas algo lento, preciso, de uma verdade inquestionável, sem arroubo nenhum, assim que entro no mar. Sigo, cada vez mais dentro, dentro, como se retornasse ao grande útero verde, á Mãe de mudez selvagem, quero gritar aos outros que acenam na praia, que está tudo bem, que não me sigam, mas meu rosto quase coberto pela água, o sal arranhando a garganta, ardendo, sem dor ou desespero, os pulmões reclamando por ar, espasmos dos músculos. Em lucidez serena, sinto o apagar do sentidos com uma luminosidade que não sei de onde, não entendo como, apenas aceito o absurdo e o sublime sem divisão qualquer, o clarão tão próximo, me envolvendo, me absorvendo, como se voltasse, como se voltasse, e sim, sim, eles me dizem sem palavra ou som, me acolhendo, depois de tanto, depois de tanto, sim, eles me esperavam.
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