Imãs- da origem
"Never thought I'd get any higher
Never thought you'd fuck with my brain
Never thought all this could expire
Never thought you'd go break the chain
Me and you baby still flush all the pain away
So before I end my day
Remember: My sweet prince, you´re the one" (Placebo, My sweet Prince)
Naquele tempo, desafiar era fazer a corte. Andavam lado a lado nas ruas antigas, moleques e perfeitos. Em vão, ele tentava abrir a porta ao dizer no final do dia: vamos para casa. Moravam em bairros diferentes e inventavam pequenos dramas, um falava de solidão, o outro, de um pai que nunca protegeu. Sorriam, cúmplices, como se tivessem descoberto um segredo que, de tão óbvio, transformava todos os outros em idiotas completos. Ás vezes, se olhavam com os olhos cheios d´água: algumas certezas eram tristes. Não sabiam como disfarçar a vontade de estarem juntos e assim, eram constantemente flagrados, conversando baixo, com os rostos levemente rosados. Brilhavam, muitos achavam que ficavam mais bonitos até, mais bonitos do que já eram.
Foi o moreno, dos dois, que convidou primeiro. Para um show de rock, já que os dois trocavam cds, cantarolavam músicas e ele, moreno, costumava ás sextas, telefonar para tocar alguns solos de guitarra, coisa que fazia com certo esforço, apoiando o aparelho em seu pescoço. O outro, loiro, recusou, inventou pretextos e para esquecer a própria covardia, passou o final de semana, bebendo na Lapa, beijando umas bocas desconhecidas, gastando-se em uns corpos sem nome. O moreno fez o mesmo. Na segunda, desfiaram um rosário de histórias e ressacas, mas não pareciam felizes. Contavam quase se desculpando, quase pedindo, vamos tentar de novo, mas não sabiam como nem o quê deveriam tentar novamente. Decidiram que um dia, quem sabe, teriam coragem, pensavam na palavra Ousadia, como um aviso, um sinal.
Meses passaram. Meses de sábados e domingos perdidos. Ele, moreno contava das novas bandas que resolvera entrar depois que o loiro havia lhe dito para não desistir. Ele gostava do interesse que o outro tinha por sua música, pelo sonho que confidenciara. Mas não sabia o que dizer quando ele, loiro, lhe contava da vontade de ir embora, escrever sobre as coisas que via, coisas que passavam despercebidas, experimentar outro país. Não gostava da idéia de perdê-lo, de não ver seu rosto pela manhã ainda molhado do banho na academia de ginástica do lado do trabalho. Foi em um súbito desses que a gente não sabe porque fala, mas fala mesmo assim e depois lembra e balança a cabeça e pensa como pude?, que ele, moreno, ao ouvir o loiro repetir a vontade de mudar de cidade ou país, disparou: eu vou contigo. Os dois ficaram calados, por um momento, encostados ao lado da máquina de água no corredor, e por fim, o loiro sorriu e disse: eu queria mesmo que você viesse.
Não demorou muito depois desse dia, do dia em que confirmaram a fuga imaginária para qualquer lugar distante, que o loiro ligou para o moreno. Devia ser tarde porque o moreno estava dormindo, demorou a entender quem estava falando, quando percebeu, perguntou se ele estava sozinho. Sim, ele, loiro, estava e queria saber o que ele, moreno, estava pensando em fazer, afinal era sábado, todo mundo na rua, inclusive ele, que não saía muito. O moreno sorriu, perguntou onde ele estava, ao ouvir, disse apenas: estou passando aí. O loiro, em seu nervosismo comprou balas, chicletes, cigarros (não fumava). Quando o outro chegou, lembra de ter pensado como gostava do rosto do moreno, mais precisamente da curva do maxilar até o queixo e dos olhos de menino. O moreno lembra que ao vê-lo, em pé, sozinho, teve vontade de prometer nunca deixá-lo assim, esperando.
Foram a uma dessas festas modernas, em um lugar velho, onde as pessoas fingiam não estarem jogando quando na verdade estavam, fingiam que eram outras, que não sofriam e não tinham dúvida. Eles não se importavam, estavam juntos, riam, esbarrando um no corpo do outro enquanto dançavam. Foi o moreno que quis comprar cerveja e assim, em um outro andar, a céu aberto, beberam. Passado um tempo, o loiro debruçou na bancada e olhando para os edifícios todos, disse ter saudade de uma janela que ainda não abrira. O moreno lembra de ter sentido a mesma vontade de nunca deixá-lo sozinho, e olhando o cabelo dourado, não se conteve, passando de leve a mão por entre os fios claros. O loiro lembra de ter virado levemente o rosto e sentido o calor da proximidade do outro, as bocas tão próximas, tão próximas...... beijaram-se.
É um emaranhado sem ordem certa, esta noite, um turvar quente, esta noite, onde os dois esqueceram de seus sobrenomes e histórias e signos que não combinavam. Tocavam-se com a fome de meses de espera, olhavam-se com a intimidade absurda que quem se diz: é isso, essa é a perfeição possível dentro de um mundo avesso. Ele, moreno, apertava seu corpo contra o corpo alvo, enquanto o outro mordia seu pescoço e agarrava as barras de ferro da escada. Nada diziam, nada. No silêncio em que se entendiam, nenhuma palavra se fazia necessária. Não perceberam que amanhecia, apenas quando um segurança informou que deviam se retirar, o local estava fechando. Eles se entreolharam, satisfeitos por não terem percebido nada além deles mesmos. Saíram de mãos dadas.
Demoraram-se horas na despedida, beijavam-se como se fosse proibido, como se fosse errado, como se amanhecer fosse uma ameaça ao que experimentaram, ao que agora sabiam. Ele, loiro lembra de ter ficado triste ao pensar que talvez o outro ficasse inseguro, afinal eram tão novos, se conheciam faz pouco, percebeu que o amava desde a primeira vez que o vira, quando ele, moreno, lhe dera um nome falso, desde daquele dia e agora?, pensava enquanto percebia como ficavam lindas, as peles juntas, suadas. O moreno lembra de ter prometido ligar, embora não quisesse ligar, não quisesse deixá-lo, lembra que disse algo sobre fugir, sobre seqüestro e que riram desse desespero apaixonado.
Era meio-dia., eles lembram. Ele, loiro, saiu do carro, acenou perto do portão e pensou que talvez não fosse mesmo pra fazer qualquer sentido, amor, vida, essas coisas. Ele, moreno, sorriu ao aceno do outro e pensou que nunca reparara em como o outro era belo, assim, naturalmente, com o rosto de quem ainda não dormira, sem máscara: era a menina mais bonita que amara.
Dormiram, exaustos, em suas casas. Quando acordaram, tiveram medo. Ele, loiro pediu demissão no mês seguinte, alegando estar cansado. Ele, moreno, foi transferido para outro departamento. Nunca comentaram daquele dia. Loiro nunca viajou a lugar nenhum, o moreno parou de tocar. Ambos casaram, tiveram filhos. E viveram infelizes para sempre.
Foi o moreno, dos dois, que convidou primeiro. Para um show de rock, já que os dois trocavam cds, cantarolavam músicas e ele, moreno, costumava ás sextas, telefonar para tocar alguns solos de guitarra, coisa que fazia com certo esforço, apoiando o aparelho em seu pescoço. O outro, loiro, recusou, inventou pretextos e para esquecer a própria covardia, passou o final de semana, bebendo na Lapa, beijando umas bocas desconhecidas, gastando-se em uns corpos sem nome. O moreno fez o mesmo. Na segunda, desfiaram um rosário de histórias e ressacas, mas não pareciam felizes. Contavam quase se desculpando, quase pedindo, vamos tentar de novo, mas não sabiam como nem o quê deveriam tentar novamente. Decidiram que um dia, quem sabe, teriam coragem, pensavam na palavra Ousadia, como um aviso, um sinal.
Meses passaram. Meses de sábados e domingos perdidos. Ele, moreno contava das novas bandas que resolvera entrar depois que o loiro havia lhe dito para não desistir. Ele gostava do interesse que o outro tinha por sua música, pelo sonho que confidenciara. Mas não sabia o que dizer quando ele, loiro, lhe contava da vontade de ir embora, escrever sobre as coisas que via, coisas que passavam despercebidas, experimentar outro país. Não gostava da idéia de perdê-lo, de não ver seu rosto pela manhã ainda molhado do banho na academia de ginástica do lado do trabalho. Foi em um súbito desses que a gente não sabe porque fala, mas fala mesmo assim e depois lembra e balança a cabeça e pensa como pude?, que ele, moreno, ao ouvir o loiro repetir a vontade de mudar de cidade ou país, disparou: eu vou contigo. Os dois ficaram calados, por um momento, encostados ao lado da máquina de água no corredor, e por fim, o loiro sorriu e disse: eu queria mesmo que você viesse.
Não demorou muito depois desse dia, do dia em que confirmaram a fuga imaginária para qualquer lugar distante, que o loiro ligou para o moreno. Devia ser tarde porque o moreno estava dormindo, demorou a entender quem estava falando, quando percebeu, perguntou se ele estava sozinho. Sim, ele, loiro, estava e queria saber o que ele, moreno, estava pensando em fazer, afinal era sábado, todo mundo na rua, inclusive ele, que não saía muito. O moreno sorriu, perguntou onde ele estava, ao ouvir, disse apenas: estou passando aí. O loiro, em seu nervosismo comprou balas, chicletes, cigarros (não fumava). Quando o outro chegou, lembra de ter pensado como gostava do rosto do moreno, mais precisamente da curva do maxilar até o queixo e dos olhos de menino. O moreno lembra que ao vê-lo, em pé, sozinho, teve vontade de prometer nunca deixá-lo assim, esperando.
Foram a uma dessas festas modernas, em um lugar velho, onde as pessoas fingiam não estarem jogando quando na verdade estavam, fingiam que eram outras, que não sofriam e não tinham dúvida. Eles não se importavam, estavam juntos, riam, esbarrando um no corpo do outro enquanto dançavam. Foi o moreno que quis comprar cerveja e assim, em um outro andar, a céu aberto, beberam. Passado um tempo, o loiro debruçou na bancada e olhando para os edifícios todos, disse ter saudade de uma janela que ainda não abrira. O moreno lembra de ter sentido a mesma vontade de nunca deixá-lo sozinho, e olhando o cabelo dourado, não se conteve, passando de leve a mão por entre os fios claros. O loiro lembra de ter virado levemente o rosto e sentido o calor da proximidade do outro, as bocas tão próximas, tão próximas...... beijaram-se.
É um emaranhado sem ordem certa, esta noite, um turvar quente, esta noite, onde os dois esqueceram de seus sobrenomes e histórias e signos que não combinavam. Tocavam-se com a fome de meses de espera, olhavam-se com a intimidade absurda que quem se diz: é isso, essa é a perfeição possível dentro de um mundo avesso. Ele, moreno, apertava seu corpo contra o corpo alvo, enquanto o outro mordia seu pescoço e agarrava as barras de ferro da escada. Nada diziam, nada. No silêncio em que se entendiam, nenhuma palavra se fazia necessária. Não perceberam que amanhecia, apenas quando um segurança informou que deviam se retirar, o local estava fechando. Eles se entreolharam, satisfeitos por não terem percebido nada além deles mesmos. Saíram de mãos dadas.
Demoraram-se horas na despedida, beijavam-se como se fosse proibido, como se fosse errado, como se amanhecer fosse uma ameaça ao que experimentaram, ao que agora sabiam. Ele, loiro lembra de ter ficado triste ao pensar que talvez o outro ficasse inseguro, afinal eram tão novos, se conheciam faz pouco, percebeu que o amava desde a primeira vez que o vira, quando ele, moreno, lhe dera um nome falso, desde daquele dia e agora?, pensava enquanto percebia como ficavam lindas, as peles juntas, suadas. O moreno lembra de ter prometido ligar, embora não quisesse ligar, não quisesse deixá-lo, lembra que disse algo sobre fugir, sobre seqüestro e que riram desse desespero apaixonado.
Era meio-dia., eles lembram. Ele, loiro, saiu do carro, acenou perto do portão e pensou que talvez não fosse mesmo pra fazer qualquer sentido, amor, vida, essas coisas. Ele, moreno, sorriu ao aceno do outro e pensou que nunca reparara em como o outro era belo, assim, naturalmente, com o rosto de quem ainda não dormira, sem máscara: era a menina mais bonita que amara.
Dormiram, exaustos, em suas casas. Quando acordaram, tiveram medo. Ele, loiro pediu demissão no mês seguinte, alegando estar cansado. Ele, moreno, foi transferido para outro departamento. Nunca comentaram daquele dia. Loiro nunca viajou a lugar nenhum, o moreno parou de tocar. Ambos casaram, tiveram filhos. E viveram infelizes para sempre.
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