Uma Árvore
"Pareço uma dessas árvores que se transplantam, que têm má saúde no país novo, mas que morrem se voltam à terra natal" (Miguel Torga)
-Em minha cabeça, as palavras se alinham como se esperassem um tiro e não minha escolha.
Quero te escrever uma coisa franca. É isso que as pessoas pensam o tempo todo. Com tanto vento no peito, não consigo ouvir o que ele diz. Sufocada entre paredes, entre prédios, entre cidades: impossível colher da minha boca uma palavra que não doa.
É mesmo assim que elas pensam: o meu caminho nunca se encontra com o deles. Quem não sabe se calar ou fingir de morto, como faz para ser cão? Não me afague, um toque fulminaria meu peito. Alguém conhece uma contramão onde possa ter companhia? Esperam de mim vitórias em campos onde não guerreio. Como explicar de que sou feita? Como ser um caos compreensível?
Existe uma nação de bárbaros lá fora, que nos cerca e rouba dia após dia. Como esconder o que persiste de raro, como se fazer passar por um deles? Quero um caminho que me torne insensível, há tanto ruído sem sentido aguardando atrás de portas, ruas, bares, escritórios dessa cidade: não te atordoa esse barulho burro?
De confinamento em confinamento, no coração escuro das coisas, há um gemido. Como se não tivéssemos saída a não ser esta de testemunhar, de Ver. Um ofício fatal.
De querer te escrever uma coisa pura, me isolo da carne e sou assoalho, plástico, grão de poeira. Me intriga como nos acostumamos ao estranho de usar máquinas, aparatos, disfarces.
Suspeito que padecemos de uma ferida única que reabrimos com todas as outras feridas. Sangra constantemente. Mas são suspeitas, ele quer fatos, não te disse? O mundo é de arestas, caímos nesse vazio, vivemos separados: cada um em sua aresta com sua pequena cômoda verdade fabricada. Por que prefiro meu sono intranqüilo? Que rosto pareço ter quando não consigo? O meu nu não é o mesmo das outras pessoas, o meu nu é perto do osso.
É isso que eles pensam o tempo todo. Espero nunca chegar. A medalha cravada no peito fere até a carne. Pureza fadada ao fracasso.
Queria te escrever algo ameno porque as placas explodem em nossos rostos. Ah, não se culpe, a minha fraqueza sempre teve caninos.
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