Esta não é uma canção de amor
Não se move. Um gesto qualquer e o corpo explode em cacos afiados de vidro colorido. Respira devagar : algo arde dentro do músculo, fora do alcance do olho que procura no espelho. Indefinível, abre seu caminho entre o sangue com língua de fogo: as cordas de violino empenam no calor, as notas chamuscadas em eterno réquiem. Um grunhido grave saído do fundo que não sabe profundidade (sem eco), saído do centro de toda crepitação. As garras cravadas na carne mais macia, que uma mão fria insiste em espremer entre os dedos. A aorta delicadamente cortada e o tenebroso sorriso de uma caixa de ossos aberta.
Não se move. Vestígios de papéis rasgados(quando?quem?) frente ao armário. O silêncio interrompido pela palavra prensada entre a mastigação vazia das bocas. Risca o fósforo para soprá-lo em seguida, o cheiro de enxofre disfarça a memória de um gosto. Esquenta a tesoura e tatua com brasa uma flor rosa, inflamada. Olha para este a quem pediu algum desencantamento (Antes, tarde da noite, desafiara: “agora, se você quiser, agora”, sabendo a resposta), o corpo na penumbra, a linha do quadril, os músculos do braço, a curva do maxilar, os cabelos revoltos, pensa em estender sua mão e tocá-lo mas sabe: mover-se requer cuidado para que não acorde o maldito que dentro ressona.
Não se move. Desligara todos os aparelhos da estranha casa por capricho, derramara o vinho no chão ao beber do gargalo, abrira as gavetas da cozinha. “Sou um fantasma”, disse, assim que se despiu, “mas preciso voltar”. “Preciso voltar hoje, entende?”. O outro segurara seu rosto bem próximo e mordera seu lábio, arrancando sangue. Retornava, na penumbra, através do desejo alheio, mas qual seria o próximo passo, como estabelecer um nascimento sem testemunhas? Consegue dissociar o corpo do outro do ato, do suor, da saliva mas pára: por ter ido além, perdera-se, por ter esgarçado os sentidos, inundando-os de uma percepção intolerável. Mas não se arrepende.
Não se move. Ouve: o latejar das veias, tilintar de copo, voz no corredor, ganido de bicho, acorde de guitarra, mas suspeita que toda movimentação venha de dentro do corpo. Teme o movimento, este movimento de quem retorna depois de perder a consciência por tê-la ampliado demais. Esta volta de quem arriscara um mundo ao saltar de uma janela impossível. Fraturara a alma? O orgulho? O bom senso? Quê importa?, buscara o Verdadeiro, o Belo, o Bom. A dor do que foi amputado não mais existindo, qual seria o seu mais novo chamamento?
É assim que estende sua mão para o vinho, batiza sua fronte, sussurra a reza crua de solenidade. Que seja. Que seja. Isso que muitos não tem coragem, este impulso pelo mais humano, esse prazer em estar inteiro. Que seja. Abre a janela e deixa seu corpo nu reencontrar-se com o vento. Que seja. Sua pele é nova bandeira. Que seja. Sai da casa estranha, pés descalços, sem olhar pra trás.
Não se move. Vestígios de papéis rasgados(quando?quem?) frente ao armário. O silêncio interrompido pela palavra prensada entre a mastigação vazia das bocas. Risca o fósforo para soprá-lo em seguida, o cheiro de enxofre disfarça a memória de um gosto. Esquenta a tesoura e tatua com brasa uma flor rosa, inflamada. Olha para este a quem pediu algum desencantamento (Antes, tarde da noite, desafiara: “agora, se você quiser, agora”, sabendo a resposta), o corpo na penumbra, a linha do quadril, os músculos do braço, a curva do maxilar, os cabelos revoltos, pensa em estender sua mão e tocá-lo mas sabe: mover-se requer cuidado para que não acorde o maldito que dentro ressona.
Não se move. Desligara todos os aparelhos da estranha casa por capricho, derramara o vinho no chão ao beber do gargalo, abrira as gavetas da cozinha. “Sou um fantasma”, disse, assim que se despiu, “mas preciso voltar”. “Preciso voltar hoje, entende?”. O outro segurara seu rosto bem próximo e mordera seu lábio, arrancando sangue. Retornava, na penumbra, através do desejo alheio, mas qual seria o próximo passo, como estabelecer um nascimento sem testemunhas? Consegue dissociar o corpo do outro do ato, do suor, da saliva mas pára: por ter ido além, perdera-se, por ter esgarçado os sentidos, inundando-os de uma percepção intolerável. Mas não se arrepende.
Não se move. Ouve: o latejar das veias, tilintar de copo, voz no corredor, ganido de bicho, acorde de guitarra, mas suspeita que toda movimentação venha de dentro do corpo. Teme o movimento, este movimento de quem retorna depois de perder a consciência por tê-la ampliado demais. Esta volta de quem arriscara um mundo ao saltar de uma janela impossível. Fraturara a alma? O orgulho? O bom senso? Quê importa?, buscara o Verdadeiro, o Belo, o Bom. A dor do que foi amputado não mais existindo, qual seria o seu mais novo chamamento?
É assim que estende sua mão para o vinho, batiza sua fronte, sussurra a reza crua de solenidade. Que seja. Que seja. Isso que muitos não tem coragem, este impulso pelo mais humano, esse prazer em estar inteiro. Que seja. Abre a janela e deixa seu corpo nu reencontrar-se com o vento. Que seja. Sua pele é nova bandeira. Que seja. Sai da casa estranha, pés descalços, sem olhar pra trás.
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