"Que seja doce."(CFA)

quarta-feira, abril 04, 2007

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um amigo meu disse uma vez que reticências podem conter o texto que não sabemos terminar...
a casa é muito mais vazia quando todos dormem. viramos fantasmas pelos corredores.
nenhum entra aqui. nenhum. estou acordada e respiro o maior dos silêncios porque as minhas palavras não querem encontrar caminho. eu estou vazia como a casa.
a maresia corrói móveis e a pintura dos edifícios.
a sombra no teu rosto corrói a minha pele do avesso. nossos gestos contam, não posso te ensinar, cada detalhe do pensamento de afastar me atordoa, não posso te guardar do mundo: um deja vu triste.
eu, que corro com pés descalços, entre cacos de vidro, na estrada, em sua direção; eu, que choro com a porta trancada, envergonhada da minha fraqueza; eu, estupidamente eu.
não é a noite que queima, são meus olhos. as flores negras nascem sorrateiramente, uma passagem secreta de ida.
olho a igreja branca do outro lado da rua. meus dedos pairam centímetros acima do teclado, tento caçar sentimentos, sonhos, dor, mas alguma coisa me impede. o uso do corpo nos acostuma? nos perde? nos entorpece?
meu amor, vc não precisa de mim. não sou ar, água, terra, não sou em nada fundamental. amanhã, vc acorda e continua. como o mundo continua sua marcha rumo a.... não sei, não importa, vc continua e eu faço cara de quem sabe o gosto de mergulhar nas pedras.
vc não sabe, mas eu não posso mergulhar no mar. é como perder, entende? e perder, eu sei, perder, dilacerar, tomar fôlego, lutar até a exaustão do corpo, sentir o baque no fundo e sangrar, sangrar. eu sei, meu amor, eu sei. não trago como vc, cicatrizes dos meus tombos. as marcas que trago, nem vc nem ninguém. elas doem quando perco. e eu vivo perdendo porque não desisto.
o azul, a imensidão do azul me perturba e me chama. a culpa é toda minha, que não resisto a uma possibilidade de beleza, um instante de perfeição, uma novidade de espírito para contar em pensamento a Clarice. o azul, vc, meu amor, é tanto azul quanto o mar e me envenena porque assim escolho e permito.
quantas vezes vou olhar esta porta, esta igreja, esta camisa, o teu rastro nas coisas e em mim, quantas vezes olhar olhar sem pensar nada, absolutamente nada?
vc dorme na cidade laranja.
eu não consigo.
sem saudade, sem lembrança, sem sonho, sem vontade. sou um bicho que se desconhece, ignorante da própria natureza, um bicho burro que olha olha olha e nada pensa.
meu amor, vc me sacrifica sem saber. como um bicho que sofre sem remédio que possa curar.
e eu não morro. e morro em mim como bicho que penso ser. quantas vezes alguém pode morrer?
eles sorriem e se beijam, são lindos e eu pensei em vc. por isso te ligava.
no teu bolso, na praça, era isso, meu amor, era isso.
teu bicho.
e agora?