"Que seja doce."(CFA)

domingo, dezembro 23, 2007

Vagando....


o cheiro da chuva chega antes.
e no suspenso de antes da chuva, tudo parece parar, tudo, vivo ou não.
as palavras doem nos ossos em alguns dias, mas finjo que não as ouço.
elas sobem pelas minhas pernas e braços e se entranham, minha pele coberta e invadida por frases inteiras que não encontrarão seu destino. seguro forte na barra de aço para me tornar concreta, presente, estar, só estar como uma pessoa comum no caminho para casa....
ele quer saber tudo
ele disse: tenho uma mente criminosa e tinha olhos daqueles, imensos, olhos que engolem uma pessoa inteira, olhos que roubam um pouco da alma, olhos que fotografam.
tinha raiva porque ele tinha propósito e ela apenas o exílio. ele queria aquilo que nela era solidão e falta de raiz, queria daquela fragilidade como uma criança que toca algo delicado desastradamente. ele olhava os pedaços do vaso estilhaçado como quem se encanta com o próprio talento de quebrar.
invadir territórios, pessoas são países, ele quer saber de tudo.
o truque era continuar respirando, ela ouvira, continuar, resistir, sobreviver. ela era toda uma luta silenciosa. mas não se trata disso, não estamos pedindo asilo um ao outro, ele sabia, queria apenas aquilo que dentro dela parecia prometer conduzir a algum lugar onde o selvagem parecia tranquilo e não o aborreceria mais quando tarde a noite.
não é sábio ter tanto medo. nem querer mantê-la por perto apenas porque ela brilha e muda constantemente como um bicho exótico sem nome. vc não sabe o que diz, ele sacode as mangas do casaco como se isso fizesse o sangue não gelar nas veias. todos sabem o que vem depois. é o que ela acha. todos sabem o que vem depois.
depois da chuva, quando tudo volta a ser o que é.
uma vaga sensação de algo perdido, diluído em tanta água.
a vontade de voltar ao antes.
do instante onde tudo pára, vivo ou não.
e nesse instante, tudo está no vago, na aresta do mundo,
lugar perigoso para gente como eles,
que pode voltar
ou não.